quarta-feira, 31 de agosto de 2022

A letalidade do Estado contra o povo preto na Bahia


 

Quando pensamos em violência do Estado contra o povo preto na Bahia, a primeira coisa que nos vem à mente é a violência policial, e isso se justifica uma vez que a polícia baiana é a quarta que mais mata no Brasil[1]. Em 2020, enquanto a taxa de homicídios decorrente de intervenções policiais no Brasil foi de 3 a cada 100 mil habitantes, na Bahia essa taxa era de 7,9 para cada 100 mil; e em Salvador essa taxa chegou a 12,8 sendo 100% dessas mortes de jovens negros[2].


Ou seja, faz sentido pensar na Polícia Militar como a principal instituição responsável pelo genocídio em curso do povo preto na Bahia. Porém, dizer que essa mortalidade é proveniente unicamente do braço armado do Estado dá margem para entender que se a PM fosse abolida e substituída por algum tipo de "polícia cidadã", os problemas findariam. No entanto é preciso dar um passo atrás e buscar compreender os caminhos que levam a população negra a se tornar um alvo contínuo da violência estatal:

Se levarmos em consideração indicadores da Bahia como, por exemplo, a taxa de analfabetismo (em que o número de idosos negros e pardos analfabetos é 12,3% maior que o de idosos brancos[3]), o acesso a saúde (novamente menor para a população negra em relação a população branca[4]) e a renda familiar (negros ganham, em média, 40% a menos que brancos[5]) vemos que o Estado perpetua uma desigualdade racial na qual o povo preto não só morre na bala, mas também morre de fome, pela falta de acesso aos serviços de saúde e, de um modo geral, de pobreza e exclusão.  Dito de outro modo, o genocídio se constrói em várias formas de violência - umas mais sutis outras mais aberrantes - porém todas elas se fazem sentir nos corpos pretos desde seu nascimento, bem como no em vidas marcadas pela luta constante pela sobrevivência.


Podemos ver como é ingênua a ideia de que é possível haver algum tipo de real dignidade (e algum sossego) para o povo preto enquanto tivermos de viver sob o domínio de uma estrutura de poder feita para resguardar interesses políticos das elites racistas do sistema capitalista, estrutura essa que em sua personificação mais brutal e escancarada se apresenta como o braço armado do Estado, a Polícia Militar. 


Esse poder de moldes coloniais se alimenta da desorganização e da desunião das classes, grupos e povos oprimidos. Então, para resguardar a vida do povo preto baiano, é preciso mais do que um enfrentamento aos desmandos da polícia; é necessário se desvencilhar da própria máquina de exclusão e violência que é o Estado. Talvez alguns tenham perdido de vista que essa instituição foi historicamente montada, peça por peça, para fazer valer a dominação colonial, para fazer girar as engrenagens da escravidão e para subjugar os povos originários aqui presentes. Talvez algns ainda pensem que sem essa tutela dominadora e exploradora do Estado e do capital as pessoas não teriam meios de subsistir e de se organizar por si mesmos; entretanto os quilombos, por exemplo, mostraram e mostram até hoje que a efetividade a auto-organização popular; os povos originários, outro exemplo igualmente relevante, têm nos ensinado como cuidar das nossas comunidades e territórios sem a dependência estatal.


É necessário reconstruir nossa vida coletiva pois apenas o povo em luta auto-organizada conseguirá promover segurança para si. O cuidado e proteção das vidas negras só virá do próprio povo preto; cada quebrada, favela, aldeia, vila, comunidade, quilombo, povoado e etc... pode se tornar uma unidade de proteção dos seus, um local em que as pessoas comecem a resolver seus problemas coletivamente, e, pouco a pouco, possam ir rechaçando a presença violenta do Estado. Não só no sentido imediato do terror policial, mas no sentido de coisas como o cuidado com os mais velhos e com os mais novos (quando a comunidade começa a pautar o tipo de educação que ela quer para os seus jovens, quando entende que a dificuldade que um idoso enfrenta não é só dele mas sim de todes) a título de exemplo.

A violência estatal começa a ser repelida quando deixamos de buscar favores dos parasitas partidários em prol de buscarmos criar nossas próprias soluções para nossos problemas em assembleias com a nossa gente reunida. É esse Poder Popular que tem forças e condições de barrar a brutalidade racista que se revela não só quando a PM usa uma viatura como câmara de gás[6], mas também quando vemos que a Bahia que possui 76,3 % de sua população auto-declaradamente preta ou parda[7] também possui a 6ª maior taxa de mortalidade infantil do país[8]. 


A polícia tem como principal missão defender a ordem política e econômica, o que se traduz na defesa da dominação estatal e capitalista uma vez que ela é um reflexo de uma estrutura mais ampla, montada para explorar e excluir. Nossos povos já perderam vidas e tempo demais tentando algum tipo de compromisso dentro dos meios intitucionais permitidos por tais estrutura; é preciso, ao mesmo tempo que combatemos essas opressões, criar estratégias de autodefesa que derivadas do reforço da vida em comunidade, do cuidado mútuo e do enfrentamento coletivo dos nossos problemas. Esses são meios eficazes para quebrar esse ciclo de vulnerabilidade que diriamente transforma corpos pretos em alvos.

O compromisso da luta contra o racismo não é apenas dos que diretamente sofrem com ele, pois esse não é um problema apenas do povo preto, esse é um problema de todes.


“Só sou verdadeiramente livre quando todos os seres humanos que me cercam, homens e mulheres, são igualmente livres. A liberdade do outro, longe de ser um limite ou a negação da minha liberdade, é, ao contrário, sua condição necessária e sua confirmação. Apenas a liberdade dos outros me torna verdadeiramente livre, de forma que, quanto mais numerosos forem os homens livres que me cercam, e mais extensa e ampla for a sua liberdade, maior e mais profunda tornar-se-á a minha liberdade. Ao contrário, é a escravidão dos homens que põe uma barreira à minha liberdade, ou, o que é a mesma coisa, é a sua animalidade que é uma negação da minha humanidade porque, ainda uma vez, só posso considerar-me verdadeiramente livre quando minha liberdade, ou o que quer dizer a mesma coisa, quando minha dignidade de homem, meu direito humano, que consiste em não obedecer a nenhum outro homem e a só determinar meus atos de acordo com minhas próprias convicções, refletidos pela consciência igualmente livre de todos, são-me confirmados pela aprovação de todos. Minha liberdade pessoal assim confirmada pela liberdade de todos estende-se ao infinito” - Mikhail Bakunin, 1871


[1] https://brasildedireitos.org.br/atualidades/jovens-mortos-em-gamboa-policia-baiana-a-quarta-mais-letal-do-pas

[2] https://brasildedireitos.org.br/atualidades/jovens-mortos-em-gamboa-policia-baiana-a-quarta-mais-letal-do-pas

[3] https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2020/07/15/bahia-tem-maior-taxa-de-analfabetismo-do-pais-em-2019-aposta-ibge.ghtml

[4] https://www.justificando.com/2020/02/06/a-saude-da-populacao-negra-no-sistema-unico-de-saude-brasileiro/

[5] https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/na-bahia-negros-ganham-quase-40-menos-do-que-brancos/

[6] https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2022/05/26/homem-morre-em-camera-de-gas-improvisada-por-policiais-em-viatura.htm

[7] https://atarde.com.br/bahia/bahia-apresenta-o-maior-numero-de-negros-558002

[8] https://www.aregiao.com.br/2021/julho/mortalidade-infantil.html

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

 


PALANQUE DOS DE CIMA, LUTA DOS DEBAIXO - Conjuntura de Julho 


Raia o sol do 2 de julho,  nós da FAQUIR, recordamos as lutas das e dos debaixo sem tirar os olhos do agora, quais tiranos corações continuam a rondar nossa historia? A data histórica da indepêndencia na Bahia foi disputada nesse processo eleitoral que já se inicia, na mesma semana a capital baiana recebeu as tulmultuantes visitas dos presidenciaveis. 


Bolsonaro, que durante todo seu mandato construiu narrativas hostis contra o nordeste e a Bahia, ainda sim não deixou de se aproveitar da data em questão para exercer sua propaganda política no Estado, com seu cortejo de morte, desfilou de motocicleta pelo trajeto Farol da Barra - Parque dos ventos e esteve também em cidades do interior, como Cruz das Almas. Lula por sua vez, mobilizou um ato em meio ao cortejo tradicional de 2 de Julho, juntamente com seu vice, Alckimin, o senador Jaques Wagner, e o governador Rui Costa conhecido pela sua politica genocida na Bahia. Ciro e Tebet que se intitulam "terceira via" e alternativa a polarização Lula-Bolsonaro, realizaram o trajeto da Lapinha juntos. Tebet se encontrou com marisqueiras e pescadores do Subúrbio Ferroviário e almoçou comidas típicas com uma líder comunitária, buscando seguir a linha populista. Ciro esteve em reunião com o prefeito Bruno Reis. 


É possível observar o reflexo da disputa presidencial no governo do Estado, onde ACM Neto, que apoiou e se alinhou ao governo Bolsonaro, está agora buscando redenção na "terceira via" de Ciro, demonstrando sua estratégia oportunista e conveniente a seus interesses. Ciro, por sua vez, também falou de apoio do PDT ao candidato ACM Neto, o considerando "a melhor opção" para o Estado. Lula declarou em entrevista que seu apoio vai para Jeronimo Rodrigues (PT), e declarou que todos sabem que ele "apoia candidatos do PT em todos os estados", finalizando sua fala com elogios a Rui Costa. Bolsonaro e Tebet, por sua vez, não declararam apoio a nenhum candidato até então.


Mas, a disputa de narrativas daqueles que se apresentam como a única, segunda ou terceira via não ofuscam nossas realidades. Adentramos o mês com os impactos do tão esperado São João, que foi marcado em muitas cidades do interior por escândalos e cancelamento dos shows mediante denúncias de desvio de verbas que haviam sido destinadas a auxiliar as reconstruções pós desastres de enchentes que presenciamos no inicio do ano. Assim como, desvio de verbas destinas a construção e manutenção de aparatos de combate ao COVID. E na segunda semana de julho o cenário crescente da pandemia que não acabou já se apresenta, segundo boletim epdemiologico foram cerca de 4.642 casos em 24 horas, com uma taxa de 71% de ocupação dos leitos. 


Contudo, em meio ao contexto de doença e descaso, podemos comemorar pelo menos algumas vitórias do reconhecimento e preservação das práticas de sabedoria popular. Segundo a Teia dos Povos, está previsto para o mês de julho o incio da Farmácia Viva Popular, projeto mobilizado por movimentos sociais como a Teia, o Movimento Sem Teto da Bahia (MSTB) e o Movimento de Pequenos Produtores(MPA). Essa é uma luta que vem sendo travada desde 2019, e nasceu da atuação do MSTB em processo de defesa da Área de Proteção Ambiental (APA)Estadual Bacia do Cobre/São Bartolomeu e do apaio ao crescimento da agroecologia nas comunidades Quilombo Paraíso e Quilombo Manuel Faustino, nas proximidades do Hospital do Subúrbio, no bairro de Periperi, em Salvador. 


Mas se por um lado temos conquistas, por outros os ataques a movimentos sociais e a luta dos povos não param. No dia 7 de julho, foi realizado um ato conjunto entre a ocupação Carlos Marighella localizada no centro de Salvador, e outros movimentos de reinvidicação por moradia, com objetivo de denunciar o processo de gentrificação, especulação imobiliária e despejos no centro histórico. Essa movimentação teve início no dia 20 de junho, quando foi realizado um ato marcando 1 ano da ocupação e visando cobrar respostas e soluções da prefeitura e do governo do Estado. 


A luta e ocupação das 200 famílias do MLB surgiu pelo direito de moradia digna que lhes foram negadas dando foco a questão da pandemia, em que houve a necessidade do isolamento social. O prédio ocupado, onde previamente funcionava o Centro Educacional Magalhães Neto, estava desocupado e inutilizado a aproximadamente 6 anos. Ao longo de sua existencia, a ocupação Carlos Marighella passou por diversas repressões estatais com uso de força policial. Sabemos que essa é a política de Estado, que prioriza questões de interesse privado juntamente com o hiperfoco no turismo, sempre expulsando e colocando em situação de vulnerabilidade e risco a ocupação da população preta e pobre nos centros da cidade.   


E não é só na cidade que essas disputas se acirram, a luta histórica por terra e territórios tradicionais nunca cessa, mesmo quando esquecidas pelas mídias. No Oeste baiano, onde o crescimento do agronegócio ameaça a existência de pequenos produtores e povos tradicionais, os indígenas Potiguara de Muquém do São Francisco também enfrentaram repressão. Em luta por território e reivindicação de direitos, os Potiguara ocuparem no final de junho uma aréa que estava abandona a mais de 40 anos, ação que logo foi interceptada por ameaças de morte e pela repressão concretizada em 11 de julho. A ocupação foi invadida com maquinários, tendo seus acampamentos derrubados e incendiados, além da quebra das ferramentas que estavam sendo usadas para trabalhar.  


Diante da guerra de sempre, os povos indigenas da Bahia não se intimidam, e represenciamos também nesse mês o encontro dos Povos Indígenas do Cimi Regional Leste na 45° Romaria da Terra e das Águas em Bom Jesus da Lapa, que contou com a presença de 16 povos indígenas dos estados de Minas Gerais e Bahia, reunidos em torno das reinvidicações de direitos na luta pelos territórios e denúncia do exterminio dos povos indígenas do Brasil.


E em Itacaré um caso absurdo, a realização de um desfile exaltando a coroa portuguesa onde jovens negros foram obrigados se vestirem de escravizados. Além disso, um desfile de colégio militar com as crianças totalmente desconfortáveis com cartazes da guarda civil e polícia militar,e um carro alegórico com pessoas fantasiadas de indígenas com uma placa enorme escrita "índios".


Essa situação gerou revolta em uma parcela da população e com isso vieram vários relatos do que tem sido esse desfile no decorrer dos anos

No momento,o Mestre Bicudo, uma liderança comunitária itacareense, professor de capoeira, tem cobrado um posicionamento da prefeitura que até agora somente apagou as fotos do instagram e não se pronunciou.


Enquanto os de cima buscam palanque, as batalhas por terra, territorio e vida digna não cesam. Se eles só lembram de nós quando despontam as disputas eleitoreiras, nós não esquecemos do descaso e repressão servido todos os dias do ano. Seguimos em marcha, em ato, em ocupação, para sobreviver e viver a tão falada independência. Se com baianos não combinam tiranos corações, não queremos escolher entre os ''menos piores'', queremos soberania e organização do poder popular para tomar a auto gestão de nossas vidas. 






REFERÊNCIAS:

Farmacia viva https://teiadospovos.org/farmacia-viva-popular-uma-proposta-dos-movimentos-sociais-para-fortalecer-a-articulacao-campo-cidade-e-as-politicas-publicas-de-saude-na-bahia/

ocupação Marighella  https://www.instagram.com/p/CfCpgI8JTgd/?igshid=YmMyMTA2M2Y%3D

https://www.instagram.com/p/Cftzozku44b/?igshid=YmMyMTA2M2Y=

Aumento dos casos de COVID https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2022/07/13/bahia-registra-4642-casos-de-covid-19-e-13-obitos.ghtml

Candidatos a presidencia em Salvador https://www.uol.com.br/eleicoes/2022/07/02/bolsonaro-lula-ciro-tebet-salvador-bahia-mesmo-dia.htm?cmpid=copiaecola

Ciro https://g1.globo.com/ba/bahia/eleicoes/2022/noticia/2022/07/01/na-ba-ciro-diz-que-pdt-deve-apoiar-acm-neto-e-que-alianca-no-estado-independe-do-apoio-a-sua-candidatura.ghtml

Lula https://www.youtube.com/watch?v=63IXvwiXLZ8

Ocupação potiguara https://www.instagram.com/tv/Cf6992FlGKU/?igshid=MDJmNzVkMjY=

Encontro indigena Bom Jesus da Lapa https://www.instagram.com/p/Cf677f_L0SR/?igshid=YmMyMTA2M2Y=

https://www.instagram.com/p/CfhQJRwOVkM/?igshid=YmMyMTA2M2Y=

O agronegócio na Bahia em nova ofensiva colonial

  Está conflagrada na Bahia a ofensiva sanguinária contra os povos que enfrentam a estrutura fundiária colonial e seus corpos são os alvos...