sábado, 5 de março de 2022

NOTA SOBRE O CENÁRIO PRÉ-ELEIÇÕES


O ano de 2022 começa como o terceiro ano da pandemia global de coronavírus, trazendo consigo uma nova variante que aceleradamente se espalha não somente por suas características biológicas ou pela propagação do pensamento negacionista ao redor do mundo, mas especialmente em virtude de uma falsa sensação de segurança apoiada até mesmo por aqueles que em anos anteriores foram ferrenhos defensores de medidas preventivas contra o vírus; no Brasil, em véspera de eleições, tanto liberais quanto representantes das esquerdas institucionais – que anteriormente apostavam nos motes antibolsonaristas favoráveis ao fechamento de cidades e bairros – parecem não mais priorizar as vidas sobre a economia como antes reivindicavam.

O vírus por si só não foi força motriz de uma crise econômica, ele apenas escancarou as inevitáveis contradições e falhas de um modelo produtivo voltado para a acumulação neoliberal desenfreada, e ao longo dessa crise sanitária já ficou mais que óbvio a falsa dicotomia entre “salvar vidas” ou “salvar a economia”; o segundo se encontra tão intrinsecamente ligado ao primeiro que negar isto só pode ser atribuído ao cinismo capitalista ou à massiva desinformação deliberadamente propagandeada entre o populacho. A economia, para além de qualquer critica mais aprofundada e específica ao seu modelo atual, sequer tem como se sustentar enquanto seres humanos morrem aos montes na esteira das milhões de vidas já ceifadas pela doença e pelo negacionismo da ciência.


Tendo estabelecido esse parêntese necessário sobre a influência do COVID-19 no tabuleiro político brasileiro, adentremos no cenário que se desenha em preparação para Outubro de 2022; Enquanto alguns campos da esquerda radical amenizam seus discursos e agarram-se às falsas vitórias recentes (como por exemplo a derrota eleitoral de Donald Trump, governos progressistas eleitos na América Latina, vanguarda de países socialistas no combate à pandemia ou a ascensão do protagonismo chinês na geopolitica), a esquerda reformista aposta cada vez mais as suas fichas num novo ciclo de conciliações – tática que historicamente já demonstrou na prática seu absurdo poder destrutivo no nosso contexto nacional.

Teoricamente o Brasil se divide entre três campos maiores em termos eleitorais: de um lado o chamado campo progressista orbita em torno da figura quase messiânica de Lula, de outro lado os resquícios do outrora dito “núcleo duro do bolsonarismo” agarram-se a um projeto de poder falido (abandonado até mesmo pelos seus principais articuladores de 2018) e, por fim, a mítica terceira via que na prática não passa de um mero “acostamento” nas palavras do senador e líder governista no Congresso Federal, Eduardo Gomes (MDB-TO). No presente momento essa pretensa candidatura “nem lá e nem cá” já nasce morta encabeçada por nomes desgastados como Sergio Moro ou João Doria; não passam do ressentimento de parte da direita que se sentiu traída por Bolsonaro (essa tentativa de terceira via desde sua gênese se viu sem poder algum de ação concreta ou negociação).

A essa altura do campeonato o anúncio de Geraldo Alckmin (sem partido) como vice-presidente serviu para apaziguar possíveis ressalvas do mercado financeiro e do agronegócio. Uma vez que – no atual estado das coisas – uma reeleição é virtualmente inalcançável para o presidente (renegado até mesmo pelos militares que tanto defendeu), a maioria dos grupos e figuras de poder já se acostumam com a ideia da volta de um governo petista ao Executivo – teorizando como pior desdobramento possível uma versão ainda mais pífia e improdutiva do desespero trumpista na invasão ao Capitólio nos EUA, mas desta vez orquestrada por apoiadores do atual presidente. 

Se por um lado podemos esperar o PT tentando vender a ideia de que o partido vai acabar com diversas heranças do “Teto de Gastos” criado na gestão Temer, por outro é possível apontar que isso seria uma medida adotada por qualquer projeto presidencial que ganhasse as eleições; até mesmo Paulo Guedes já afirmou que “o teto de gastos é apenas um símbolo, uma bandeira de austeridade” num movimento de preparar terreno para sua possível revogação. Mas nada disso vai impedir que o Partido dos Trabalhadores colha os louros de uma medida econômica inexorável em virtude do efeito dos dois anos de pandemia.

Se atacar um sistema já morto será tido como ponto de vitória, por outro ângulo será convenientemente obscurecido o fato de que diversas reformas capitaneadas pela direita liberal permanecerão quase que totalmente intactas. Enquanto Bolsonaro servia como o espantalho ideal, no legislativo as mudanças legais de longo prazo se desenhavam a despeito do presidente e de suas bravatas chamativas; e de forma alguma será do interesse de um futuro governo petista iniciar sua gestão lutando contra isso ou sequer jogando um holofote sobre o assunto.


Os agentes do mercado não possuem mais incertezas sobre uma possível eleição de Lula como foi em 2002 e muito menos temem uma reforma agrária (deliberamente esquecida durante seus dois mandatos bem como durante os de sua sucessora Dilma Rousseff). A única medida preventiva que resta ao PT para garantir ainda mais sua volta ao poder é diluir o antipetismo que resiste entre as elites mais emocionais e mais emocionadas, afinal, para além de todo orgulho empresarial é sabido que os lucros voltarão a subir no bolso daqueles que detém capital acumulado.

A maior parte das reformas simplesmente vai permanecer por tempo indefinido pesando sobre as costas da classe trabalhadora ao passo que seus autointitulados senhores reiniciam seus lucros advindos do processo conciliatório que aprenderam a manter com certa fração da esquerda. Em tempos de uberização da mão de obra não esperamos apenas por algo nefasto como foi a Carta Aberta ao Povo Brasileiro (a maior traição de classe já vista na histórica política nacional) mas infelizmente algo ainda pior, mais nocivo, mais permissivo para com a exploração do populacho pelas elites. Nuvens negras se aproximam no horizonte, e devemos estar preparados pois quem esteve ombro a ombro com a gente desde 2018 já soltou nossa mão a algum tempo.


“No conflito social, não há verdade comum para as classes exploradoras e para as classes exploradas. A verdade deles jamais será a nossa.” - Victor Serge (1890-1947)

O agronegócio na Bahia em nova ofensiva colonial

  Está conflagrada na Bahia a ofensiva sanguinária contra os povos que enfrentam a estrutura fundiária colonial e seus corpos são os alvos...